Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009

Manel

Em vermelho sangue, escuro e grosso.

O pulmão encarregou-se de o expelir, deixando a nú todas as fragilidades que não seriam imediatamente visíveis num corpo de um jovem adulto. A constante dor, de tão habitual que era, tinha-se diluído como sua parte integrante.

Suspirou tão fundo como lhe era permitido pela respiração artificial. Sentou-se na cama e olhou a maquinaria que o matava lentamente ao fazê-lo sobreviver.

Fechou os olhos. Viu a surpresa no rosto do homem que estava na estrada a olhar para a janela do primeiro andar, mesmo no momento em que lhe bateu com a moto. Não percebeu o que tinha acontecido. Aliás, o que percebeu era demasiado fantasioso para ser real. Só podia estar a dar em doido. Só podia. E por causa da sua insanidade, tinha morto um homem. À dor do físico, sobrepunha-se agora esse amargo revolto que lhe percorria o seu corpo, esse fel que fazia parte do seu sangue, escuro e grosso. Nunca iria viver em paz.

 

Abriu os olhos.

Procurou o tubo plástico que respirava por ele, atravessando a garganta.

Retirou-o e sufocou. Durante 3 minutos sofreu como achou que devia sofrer, o que era justo sofrer. Sentiu a dor no peito como nunca a tinha sentido antes, viva. Morreu de consciência pesada.

 

talvez por isso tenhas sido o fantasma da família. a tua presença sempre foi a mais forte dentro daquele casarão que ainda penso como nosso, apesar de nunca ter sido propriedade nossa. talvez me tenhas marcado por teres desperdiçado a tua vida agarrado um inútil sentimento de culpa, ou pela tua história só me ter sido contada aos bocados durante a minha vida. por já ter passado a tua idade e ainda sentir que és uma alma velha que perdura enquanto houver a tua memória, mesmo que nunca te tenha conhecido. talvez porque perceba o teu último suspiro e também precise de uma desculpa.


Quarta-feira, 11 de Novembro de 2009

E na estrada?

É uma certeza cá de dentro I've got a feeling  e não a consigo esconder, nem quero a feeling I can't hide 

 

Como quando...

 

vou em direcção ao teu copo pós laboral, quotidiano ano ano ano ano ano ano momento estival da narcótica habitude ude ude ude ude que escorrega a sua peçonha pelo troço arrastado do tempo .

 

Essa certeza ambulante,

 

mar ca da

mente

com

pa ssa da pe la

passa da dor

mente

com pe

ten

te 

           mente

 

.

 

Mas bonito, bonito, era deixarmo-nos de merdas e fazermo-nos à estrada. Deixar para trás os soluços das vidas que nos seguem, suspirar pelos próprios meios, respirar em pulmões alheios. abrir os olhos e segurar o volante, firme, bem firme, com a ponta dos dedos.

 

Respirar Why don't we do it in the road? Aflito grito de ressaca desse prazer, ofuscando os restantes (mundanos) pela sua própria ausência.

 


Pichagem

Ando farto de pintar paredes com palavras vazias de cheias intenções

Ando a arrastar tintas e baldes e frustrações

Com frases feitas de quem nunca viveu o nosso tempo

Escritas ao nível da rua onde tu passas sem nunca me leres

Para além dos símbolos que, unidos, têm um sentido

Que só eu conheço e nós um dia conhecemos

 

Já ando farto de fugir à polícia e de, entre soluços,

Justificar a um rural gendarme

Que a vida só existe quando te escrevo na rua

Palavras vazias que tu nunca lês 

 

 


Sexta-feira, 28 de Agosto de 2009

De pressão, sff

Borbulhas, fresca, por mim

Anseias pela minha boca quase tanto como eu anseio por te tocar com os lábios

Tornamo-nos um só...

Divertes-me com a tua acidez

RIo depois de te ver

Sorrio depois de te ter

Saboreio cada momento contigo

Fermento nobre

 

(Sexta-feira, noite de cerveja) 

 


Quinta-feira, 9 de Julho de 2009

conversa

De forma disforme, entre dois dedos de conversa, olhei bem fundo para ti.

Aconteceu quando o Silêncio chegou e se sentou connosco à mesa. Tinha andado adormecido, desaparecido há umas horas e nem reparámos na sua ausência.

Mas quando acordou, talvez influenciado pelo divagar saltitante do diálogo, entusiasmou.se. E quanto mais seguíamos, bamboleando em ébrios devaneios de planos e histórias, mais o invejoso se chegava.

Senti que queria, à força, participar. O grande invejoso, queria fazer parte de nós.

Ignorei-o e olhei bem fundo para ti.

Sem querer, calámo-nos.

 

Era um Silêncio incómodo...

 


Quinta-feira, 18 de Junho de 2009

do dia

rengue rengue

rengue rengue

rengue rengue

rengue rengue

 

 

(mas qualquer dia farto-me e

catrapum

pra ti)

 


Talent de rien faire

Absorto num atol de merda, vi a garrafa a boiar

ainda longe, o seu reflexo cegou-me

Os braços lançados ao ar, a vontade de saltar

daqui para fora, execrável salvação do naufrágio

 

A garrafa afastou-se e ainda me cegava.

Nadei na sua direcção, esquecendo-me

que não o sabia fazer.

 

O atol de merda riu-se de mim

enquanto me afogava alegremente.


Quarta-feira, 17 de Junho de 2009

a lista

Dos canais de distribuição de grandeza moral

às inúteis reservas de riqueza pelicular.

Há ideias internas que teimam em se materializar

Em parcos pecúnios da sua verdade

 

Das inúteis listagens de potenciais baleias

que legalizam o arpão com falinhas mansas

Faço troca ilícita de pensamentos em série

por peles esfoladas e unhas em sangue.

 

Engulo assim a agonia apertada entre a traqueia e o esófago,

transformo-o em quimo, metano e espalho-o

À vívida arrogância de quem o pode apreciar

como uma breve reminiscencia do seu primitivo lar.


Terça-feira, 16 de Junho de 2009

trovoada de verão

com a liberdade condicionada à existência material

consagrada e diabolizada, deificada até ao banal

a corrente física do serviço tributário

analisou a vida como expediente ordinário

 

com obrigações a juros, assámos então as sardinhas

com o calor, o sufoco e a areia nas virilhas

pesada bola (de berlim), ainda presa à corrente

arrasta o iludido, doce, docemente

 

a centopeia do alcatrão dos estivais iludidos

continuou pelo serão sem nos dar ouvidos

de volta à toca, mundana e infeliz

com a pele quente neste africano trovejar

de quem nunca viu sequer uma tatuagem do ultramar


Segunda-feira, 16 de Fevereiro de 2009

(intervalo)

Porque é que um minuto demora os tais 60 movimentos do ponteiro mais pequeno? Não poderia passar em 59? ou em 30? o mesmo tempo não passaria de igual forma? e poderia o ponteiro dos minutos fazer um dos seus movimentos inteiro, sem falhar, mesmo que os 60 movimentos do segundo ponteiro que demoravam um minuto inteiro passassem a ser só 30 movimentos? Afinal quem tinha decidido que seriam precisos 60 segundos para fazer um minuto? Nunca tinha gostado que lhe tivessem imposto nada ...

E o tempo era uma das coisas que ele achava demasiado importante e precioso para que fosse dividido assim, como um bolo-rei de fatias iguais, principalmente por um desconhecido qualquer.. Não, o seu tempo não seria dividido por nenum pasteleiro. O seu tempo era só seu e iria vivê-lo como ele quisesse, saboreando as fatias irregulares e

talvez até engasgando-se no brinde. Tanto fazia, seria no seu tempo que isso aconteceria e não no tempo de mais ninguém. Naquele dia, matou as horas, os minutos e os segundos.

Naquele dia, o tempo morreu para o ourives.


Segunda-feira, 6 de Outubro de 2008

3-

 

As três souberam alimentar-me e tratar de mim. Uma vez estive doente. Tremeram-me as pernas quando me levantei da cama e só me lembro de ver o chão de madeira a vir contra mim a toda a velocidade. Acordei não sei quanto tempo depois, mas já devia ser noite. A hárpia já não tinha a farda de dia, mas a farda de noite, que era assim como que num tecido grosso mas era branco e estava com a cara de sempre, sem expressão. A minha cabeça doía-me imenso e tinha como que um cilindro de músculos e carne entre o nariz e o olho direito. Ela trazia um pano molhado na mão e quando se debruçou senti-lhe a teta no meu peito. Acho que foi a primeira erecção que tive e ela reparou e quase que juro que a vi esboçar um sorriso cúmplice. A partir desse acidente, de cada vez que que o corpo me obriga a espirrar, tenho dores no nariz. Mesmo assim não me consigo esquecer das suas tetas. Fantásticas hárpias que cuidavam de mim. Nunca me faltou nada.


Domingo, 5 de Outubro de 2008

2.

 

Acorda, porra! – desde a linguagem até à personagem, tudo era intenso no acordar. O grito, a cara da velha logo pela manhã. Esta era a pior, não lhe sabia o nome nem quis saber. Elas não se tratavam pelo nome, só as ouvia grasnar ordens umas para as outras. O curioso é que nunca se vi nada que se parecesse com uma marcação de território ou de poder entre elas, nem a mínima fricção ou sequer uma frustração por aceder à ordem pois era tudo uma questão de prioridade. Nada. Se a velha dizia a outra fazia, bastava ter dito primeiro.  Eu acordava e comia a massapapa que comia todos os dias, enquanto a velha trazia agua para eu tomar banho na tina de latão. A temperatura era sempre a mesma, nem muito quente nem muito fria. Eu gostava dos banhos. Depois vestia os calções e a camisa e calçava os sapatos da semana. Eu só sabia que era domingo, porque ao domingo mudavam-me os sapatos e vestiam-me uma jaqueta por cima da camisa. Mas nunca me levaram a lado nenhum.

Terça-feira, 30 de Setembro de 2008

1.

- Mexe-te, raio do puto! - diziam-lhe. É deixá-lo, que ele tem tempo para penar - diziam as alegres cassandras. E ele continuava quieto, ocasionalmente deambulava pela sala, como que se observasse um quadro pendurado na parede ou uma janela que permitisse ver, nem que fosse através de um pequeno orifício, o que estava lá fora. Percorria a sala, à volta da mesa onde as hárpias jogavam às cartas. O que elas não sabiam era que ele estava a ouvir música. Primeiro as madeiras, saltitantes como os pássaros madrugadores, seguidas num instante pela entrada em peso das cordas, dos metais, da percussão... E toda aquela parafernália sónica, que existia só na sua cabeça, começava a encontrar uma organização lógica, em que entravam guitarras, teclas, e no auge da introdução, pico das emoções, os músicos começam a suar, principalmente os vionistas, tinha-lhes arranjado uma secção tramada, com sequencias de acordes, em que todos os instrumentos soariam com a precisão e a alma de um primeiro solista conceituado. Acordou com a pesada garra da suína que hoje o levava ao quarto para deitar - "xixi cama" - Pianissimo.
Trouxe comigo o cheiro do álcool, entranhado na farda da vaca mas foi tudo o que consegui trazer.

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