Quarta-feira, 11 de Novembro de 2009
Ando farto de pintar paredes com palavras vazias de cheias intenções
Ando a arrastar tintas e baldes e frustrações
Com frases feitas de quem nunca viveu o nosso tempo
Escritas ao nível da rua onde tu passas sem nunca me leres
Para além dos símbolos que, unidos, têm um sentido
Que só eu conheço e nós um dia conhecemos
Já ando farto de fugir à polícia e de, entre soluços,
Justificar a um rural gendarme
Que a vida só existe quando te escrevo na rua
Palavras vazias que tu nunca lês
Quarta-feira, 20 de Maio de 2009
further down the road, I saw an humble man or at least so it seemed
I knew he was humble because he had no smile and he had barefeet
the snakes around him laughed at me when I walked by
and sneered on his loneliness (or at least so it seemed)
but the man was not alone and little did I know
that the snakes were his pets and that this man it was me
Segunda-feira, 6 de Outubro de 2008
As três souberam alimentar-me e tratar de mim. Uma vez estive doente. Tremeram-me as pernas quando me levantei da cama e só me lembro de ver o chão de madeira a vir contra mim a toda a velocidade. Acordei não sei quanto tempo depois, mas já devia ser noite. A hárpia já não tinha a farda de dia, mas a farda de noite, que era assim como que num tecido grosso mas era branco e estava com a cara de sempre, sem expressão. A minha cabeça doía-me imenso e tinha como que um cilindro de músculos e carne entre o nariz e o olho direito. Ela trazia um pano molhado na mão e quando se debruçou senti-lhe a teta no meu peito. Acho que foi a primeira erecção que tive e ela reparou e quase que juro que a vi esboçar um sorriso cúmplice. A partir desse acidente, de cada vez que que o corpo me obriga a espirrar, tenho dores no nariz. Mesmo assim não me consigo esquecer das suas tetas. Fantásticas hárpias que cuidavam de mim. Nunca me faltou nada.
Domingo, 5 de Outubro de 2008
Acorda, porra! – desde a linguagem até à personagem, tudo era intenso no acordar. O grito, a cara da velha logo pela manhã. Esta era a pior, não lhe sabia o nome nem quis saber. Elas não se tratavam pelo nome, só as ouvia grasnar ordens umas para as outras. O curioso é que nunca se vi nada que se parecesse com uma marcação de território ou de poder entre elas, nem a mínima fricção ou sequer uma frustração por aceder à ordem pois era tudo uma questão de prioridade. Nada. Se a velha dizia a outra fazia, bastava ter dito primeiro. Eu acordava e comia a massapapa que comia todos os dias, enquanto a velha trazia agua para eu tomar banho na tina de latão. A temperatura era sempre a mesma, nem muito quente nem muito fria. Eu gostava dos banhos. Depois vestia os calções e a camisa e calçava os sapatos da semana. Eu só sabia que era domingo, porque ao domingo mudavam-me os sapatos e vestiam-me uma jaqueta por cima da camisa. Mas nunca me levaram a lado nenhum.
Terça-feira, 30 de Setembro de 2008
- Mexe-te, raio do puto! - diziam-lhe. É deixá-lo, que ele tem tempo para penar - diziam as alegres cassandras. E ele continuava quieto, ocasionalmente deambulava pela sala, como que se observasse um quadro pendurado na parede ou uma janela que permitisse ver, nem que fosse através de um pequeno orifício, o que estava lá fora. Percorria a sala, à volta da mesa onde as hárpias jogavam às cartas. O que elas não sabiam era que ele estava a ouvir música. Primeiro as madeiras, saltitantes como os pássaros madrugadores, seguidas num instante pela entrada em peso das cordas, dos metais, da percussão... E toda aquela parafernália sónica, que existia só na sua cabeça, começava a encontrar uma organização lógica, em que entravam guitarras, teclas, e no auge da introdução, pico das emoções, os músicos começam a suar, principalmente os vionistas, tinha-lhes arranjado uma secção tramada, com sequencias de acordes, em que todos os instrumentos soariam com a precisão e a alma de um primeiro solista conceituado. Acordou com a pesada garra da suína que hoje o levava ao quarto para deitar - "xixi cama" - Pianissimo.
Trouxe comigo o cheiro do álcool, entranhado na farda da vaca mas foi tudo o que consegui trazer.