Terça-feira, 8 de Fevereiro de 2011

Querida Europa

Querida Europa,

 

É Portugal quem te escreve. Sim, o das caravelas. Continuamos a falar nas caravelas. Não temos nada melhor para alimentar a nostalgia. Não tivemos um império glorioso (aquele conjunto de armazéns de especiarias fortificados não conta), não nos podemos gabar de termos sido uma potência militar durante séculos a fio ou de termos começado guerras mundiais (não leves a mal, Alemanha). Nem sequer temos o orgulho de ter inventado coisas que mudaram o mundo como o dirigível a jacto (obrigado, Roménia) ou o maçapão com sabor a batata (não precisavas de te incomodar, Lituânia, a sério). A não ser que queiras ouvir falar do sextante de bolha artificial. Queres? Bem me parecia que não.

Para começar, e porque o assunto é delicado, esperamos que não vejas isto como ingratidão. Apreciámos muito o dinheiro todo e as bonitas auto-estradas que pudemos construir com ele. Graças à tua generosidade, temos hoje auto-estradas para quase todo o lado. Incluindo auto-estradas que ligam outras auto-estradas, auto-estradas que não ligam coisa alguma e auto-estradas que, milagrosamente, se transformaram em vivendas com piscina e carros de luxo.

O que queríamos pedir é muito simples. Achas possível moderar o apontar de dedo? Calma, não te enerves. Não estamos a tentar negar culpas. Mas tenta ver as coisas pelo nosso lado. É claro que as coisas não estão bem e não é de agora (temos tido uns problemazitos de gestão ao longo dos últimos séculos). E há a tal a crise… Não fomos nós que a começámos e há agências de rating financeiro com nome de geladaria rasca que, palavra de honra, parecem mesmo ter alguma coisa a ganhar com as nossas dificuldades, tal é o empenho com que nos vão piorando ainda mais a situação por motivos que, às vezes, parecem um bocado arbitrários. Só porque sim. Porque os vizinhos também estão mal, porque gastam fortunas em computadores de brincar para as crianças ou porque têm o cabelo demasiado escuro para serem economicamente viáveis.

A nosso favor, reconheça-se que nunca acreditámos realmente naquela história de sermos bons alunos e exemplos a seguir que andámos a ouvir-te durante as décadas que passaram. Tivemos perfeita consciência de que dizias essas coisas porque te era útil encontrar casos de sucesso que pudesses atirar à cara de quem não gostava de ti e insistia em dizer-te que não eras grande ideia. Se calhar, da mesma forma que precisas agora de encontrar culpados à força para que não se pense que a culpa pode ser tua.

Afinal, se as coisas não estão bem por aqui, não se percebe como só agora percebes e como deixaste que chegássemos a este estado, já que tens acompanhado de muito perto tudo o que temos feito e, em muitos casos, até tens sido tu a mandar. Nem sequer nos queixámos muito quando nos mandaste transformar barcos de pesca em combustível de lareira ou quando achaste que seria melhor arrancar as oliveiras e plantar girassóis.

Não vejas isto como ameaça, até porque somos um país demasiado pacato para fazer ameaças, mas, se continuares a ser desagradável connosco, talvez nos mostremos menos hospitaleiros no próximo Verão, quando vieres passar férias. Talvez façamos vista grossa quando fores nadar pelo Atlântico fora como se estivesses no lago inofensivo lá de  casa e precisares de ajuda para sair. Talvez não te ajudemos a chegar ao hotel quando abusas na prova de vinhos. Ou, quando apanhares um táxi no aeroporto, podemos levar-te num atalho que passe por Penafiel, Portimão e  Alcoentre antes de chegar a Sintra.

Pensa nisso.

Sempre com amizade,

Portugal

 

 

 

(obviamente, daqui)


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